quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O INVASOR



A chuva forte caía do lado de fora. O céu estava rubro, o que indicava que a precipitação arrastar-se-ia por toda a noite. Relâmpagos aconteciam a todo instante, iluminando, mesmo que momentânea e parcialmente, o meu recanto.
As luzes de minha casa estavam todas apagadas, e eu repousava meu corpo cansado sobre minha cama, envolto em um número considerável de lençóis. Aquela noite de inverno, mergulhada em um forte temporal, estava com uma temperatura mui fria.
Já se passava da meia-noite, e havia pouco mais de quatro horas que a minha cidade estava sendo castigada pela forte chuva. E, ao que tudo indicava, não parecia terminar durante as próximas horas; talvez até ultrapassasse o limite da noite, adentrando na manhã seguinte com mesma intensidade.
Tudo estava quieto em minha casa, exceto pelo barulho constante da chuva e dos trovões do lado de fora, que ecoavam por todo o espaço inteiro. Entretanto, repentinamente, para meu desagrado, eis que surge um barulho advindo de dentro de meu recanto. Era algo caindo, a primeiro momento. A primeiro momento, porque, logo em seguida, o barulho tornou-se contínuo, o que impossibilitava ser algo caindo.
Acendi a luz do abajur do meu quarto. O barulho estava suficientemente alto, alto o suficiente para se tornar nítido. Era o barulho constante de móveis arrastando-se pela casa. Fiquei estupefato. Morava sozinho, não tinha a menor condição de ter alguém arrastando os móveis de minha casa, exceto para furtar para si.
Meu coração apertou-se no meu peito. Um bandido, na minha casa, àquela hora, comigo sozinho? Estava desarmado, não tinha nada na qual eu poderia me defender. Facas e vassouras se encontravam do outro lado da casa, após o perigo. Para pegá-las, teria que, primeiramente, enfrentar o perigo, o que, na prática, tornava-me desarmado da mesma forma.
O barulho se encontrava no corredor onde desembocava o meu quarto, vindos da direita, onde se encontrava minha sala de estar. Por essa razão, caminhei vagarosamente pelo meu quarto, dando passo por passo, passo por passo, passo por passo... Poderia ter acendido a luz geral do meu quarto, entretanto, era mister ficar escondido, à espreita do bandido, e pegá-lo em momento oportuno.
Meu coração apertava-se no meu peito cada vez com mais intensidade, parecia que iria explodir, minha respiração tornava-se ofegante. Como era odiosa aquela sensação de medo, de temor, quando invadia todo o seu corpo, principalmente quando o mesmo se encontra exausto e procura incessantemente o repouso. Maldita sensação de impotência!
Cheguei à frente da porta do meu quarto, que se encontrava com uma nesga aberta. Projetei minha cabeça a esta ficar frontalmente colocada à nesga e espreitei o corredor. A primeiro momento, o local se encontrava completamente vazio; entretanto, o mesmo se encontrava quase que totalmente encoberto pela escuridão da noite, o que impossibilitava o meu trabalho em grande parte do corredor.
Naquele instante, sobressaltei. Um barulho mais forte, vindo da parte oposta do corredor, adjacente ao local onde me encontrava, fez meu coração praticar saltar para fora do meu peito. No mesmo instante, às pressas, escondi-me atrás da porta. Esperei o desenrolar dos acontecimentos naquela posição, enquanto recuperava a frequência de minha respiração.
Alguns poucos minutos se passaram e o corredor foi tomado por um sepulcral silêncio. Temi diante a situação. Com a escuridão reinando no recinto somado ao silêncio sepulcral reinando de forma idêntica, o invasor poderia agir da maneira como aprouver; tornava-se impossível descobrir sua localização de imediato.
Naquele momento, veio, como em um flashback, a visão de um valioso vaso da era Ming. Lembrei-me se tratar do valioso vaso que eu possuía em casa, na sala de estar, que passou de várias gerações até eu receber como herança. E o valioso vaso se encontrava exatamente no local onde o barulho outrora se encontrava. Fui tomado por um majestoso ímpeto, o temor e o medo desapareceram e meu corpo revigorou-se. Abri a porta do meu quarto e disparei em direção ao corredor. Contudo, meu ímpeto nada durou. Tão logo adentrei no corredor, vi uma silhueta no final do corredor. Naquele instante, meu ímpeto desapareceu de meu corpo e o mesmo foi retomado pelo ódio e temor. Escondi-me rapidamente em meu quarto e lá permaneci, atrás da porta, por longínquos segundos, enquanto os efeitos do susto não desapareciam do meu corpo.
- Só me faltava essa... – pensei. Deveria ter corrido para outro lado; naquele instante, me encontrava completamente cercado.
A chuva continuava reinando no exterior da minha casa. Os relâmpagos caíam impetuosamente. No interior do meu recanto, passos vindos do corredor ecoavam por toda a casa. Eram passos vagarosos e pesados; o intruso parecia calçar um coturno ou algo semelhante.
Repentinamente, para meu momentâneo desagrado, eis que meu celular toca. No silêncio sepulcral que se encontrava meu recanto, o barulho do toque do meu aparelho ecoou por todo o canto. Corri às pressas para atendê-lo. Injuriei horrores a pessoa que estava me ligando, não tinha momento mais inoportuno para ligar-me.
Segurei meu celular e fitei sua tela. Um número desconhecido, não tinha nome na minha agenda e não o conhecia. Era de um DDD diferente, de um estado diferente. “Só me faltava essa”, pensei. Como se não bastasse ter um invasor na minha casa em uma noite de chuva forte, ainda tem outro me ligando sabe-se lá da onde.
- Alô? – sussurrei, ao atender o celular
- SAIA DAÍ IMEDIATAMENTE! – gritou a pessoa do outro lado da linha. A voz parecia ser feminina, mas, devido às circunstâncias, não davam para perceber
Fiquei estupefato com o que ouvi, e sobressaltei. Como assim, saia imediatamente? E como pessoa sabia que eu me encontrava em risco?
Entretanto, não deu para nada reagir, nem mesmo esboçar em meu semblante minha reação. No instante seguinte ao grito, um estranho barulho, como de uma turbina de um avião, reinou sobre o silêncio sepulcral na qual se encontrava meu recanto e, no instante seguinte, inexplicavelmente houve uma explosão dentro da minha casa. O cerne parecia ser o corredor, pois estava de costas para a parede que delimitava meu quarto com o corredor e fui arremessado para frente. Caí, sob uma chuva de escombros, lado a lado com meu celular. Estava protegido por um fragmento de parede, que me impediu, tanto a mim quanto a meu celular, de serem esmigalhados pela chuva subsequente.
Perdi a consciência tão logo caí no chão. Não me lembro exatamente de nenhum fato subsequente à minha queda no chão. Lembro-me apenas de escutar os fragmentos da minha casa caírem ao chão, como em uma verdadeira chuva, antes de me sentir submerso por uma imensa quantidade de água. Contudo, não se tinha o exato discernimento se era fato real ou imaginário.
Acordei sabe-se quanto tempo após o fato, com um feixe de luz no meu rosto. Franzi o cenho e, como a luz se encontrava mui forte, acabei por abrir os olhos. Percebi já ser dia, e eu não me encontrava mais submerso em uma grande quantidade de água, situação semelhante ao fragmento da parede que me protegera na noite anterior. Tentei levantar meu corpo, contudo, minha cabeça girava, tentando encontrar um local para se fixar, e as juntas do meu corpo rangiam furiosamente, provando a exaustão que o mesmo se encontrava. Consegui apenas fixar sentado. Com muito custo, girei meu corpo, a fim de fitar o remanescente de meu recanto.
Sobressaltei ao fitar o que outrora fora minha casa. Por mais que eu, literalmente, sentido na pele a força do explosivo, nunca imaginaria que seu efeito em meu recanto seria tão assustador. Mal havia sobrado as paredes do quarto onde eu me encontrava. O teto ruiu junto das paredes e, por muita sorte, não me esmigalhou. Havia sobrado somente a parede oposta à que me encobriu. No resto da casa, mal havia sobrado pedaços de alguns móveis, enquanto as pequenas coisas foram praticamente desintegradas; as paredes, de pé se encontravam somente uma ou duas. Nada mais do que aquilo.
Pisoteando nos escombros de minha residência se encontravam dois peritos, cercado por vários policiais. Vendo-me fitar, sentado, minha outrora casa, um dos peritos caminhou em minha direção e parou de frente a mim.
- Tudo bom? – perguntou. Estendeu a mão direita, para me ajudar a levantar
Utilizei-me do apoio para ficar de pé.
- Fisicamente, creio que sim...
- Essa casa era sua? – o ERA dito pelo perito me fez sentir apunhalado no coração. Era triste ver seu recanto, aquele local onde você repousava seu corpo exausto todos os dias, partir repentinamente.
- Era, sim!
- Sabe o que aconteceu?
- Uma explosão! – respondi, seco. Doía falar sobre minha casa – Eu estava em casa e escutei um barulho. – continuei, sem o perito me pedir para isso fazer - Como estava sozinho, fiquei com medo e fiquei à espreita. Aí meu celular tocou, até achei estranho. É uma hora inconveniente para um celular tocar!
- De fato...
- Atendi-o, e alguém gritou para eu sair dali imediatamente. Em seguida, tudo veio abaixo e acordei agora!
- Entendo... – o silêncio reinou sobre o local por alguns segundos – Fiquei encucado com a história do celular!
- Eu idem! – respondi – Se meu celular ainda estiver funcionando, posso fornecer o número do telefone que me ligaram naquele instante!
- Eu adoraria! – disse o perito.
Com certa dificuldade diante o ranger constante dos ossos, abaixei-me e peguei o meu celular. Levantei-me, com a mesma dificuldade. Comecei a apertar algumas teclas no meu celular. Percebi a tensão no corpo do perito, preocupado em saber se meu celular ainda estava funcionando ou não. Virei a tela do celular para o perito. Continua um número: “86271892”, com DDD da cidade.
O perito anotou o número, pediu licença e caminhou de encontro aos demais que se encontravam no meu outrora recanto. Esperei-o voltar, fitando o grupo. Percebi a reação estupefata do perito, diante as palavras de um dos policiais, o que verificava a procedência do número telefone com seus equipamentos. Sobressaltei. O que seria que aconteceu?
Percebi no semblante do perito, enquanto este caminhava em meu encontro, que o mesmo se encontrava estupefato diante de algo. Preocupei-me, e fiquei ansioso. O que acontecera?, me perguntava em meu interior.
- O que aconteceu? – perguntei, de inopino.
- Esse número... é da Sra. Amanda Hanley!
- Não a conheço! – disse, meneando negativamente a cabeça
- E não era para conhecer mesmo. Era a antiga moradora desta casa, possivelmente muito antes de você!
- E por que eu não a conhecia de qualquer jeito?
- Ela foi assassinada em sua casa há, pelo menos, 50 anos...
Sobressaltei. Arregalei os olhos, tamanha surpresa. Fiquei estupefato. Como assim, a mulher que me ligou morreu há mais de 50 anos?!

Nenhum comentário:

Postar um comentário