sábado, 24 de março de 2012

O acidente




Era uma vez um país, como tantos outros que existem pelo mundo. Um país comum, com lei comum, governante comum, pessoas comuns, um país que se diz justo e igualitário.
Num dia qualquer, como tantos outros que passam em nossas vidas, eis que um acidente surge na vida de duas pessoas: de um lado, o filho único do maior milionário do referido país, um rapaz que nunca trabalhou e vive na esbórnia todos os dias; do outro, um pobre trabalhador, pai de família, acostumado a pegar no batente das oito da manhã às oito da noite, acordar às cinco da manhã, andar mais de cem quilômetros todos os dias para pôr comida na mesa de suas crianças. O primeiro, dono de um poderoso e caro carro conversível, vitima o segundo, dono de uma bicicleta enferrujada e com pneus gastos; este último, infelizmente, para azar próprio, vem a óbito, sucumbindo aos graves ferimentos sofridos em virtude do acidente.
O acidente é claro - o primeiro, embriagado, atravessava as ruas da cidade a duzentos e trinta e quatro quilômetros por hora; o segundo, sonolento e cansado, trafegava a pouca velocidade no acostamento da pista onde aconteceu o abalroamento. O choque foi tão violento que o acidentado veio a óbito segundos depois de sofrer o acidente.
Desde tão logo o acidente acontecera, a família do sobrevivente, a mídia e os políticos começam a colocar a culpa no pobre acidentado, por motivos mil; este, pobre coitado, se encontrava em direção a mais um dia de serviço pesado enquanto o jovem sobrevivente voltava para casa em uma noite de esbórnia. Atacado o pobre acidentado, que não possuía chance alguma de defesa, por se encontrar falecido, logo a população, a polícia e o próprio Estado se convencem de que realmente a culpa era do acidente e arquivam o processo - na gaveta e na memória, inocentando assim o verdadeiro culpado pelo acidente. E aqueles, não corrompidos pelo poder influenciável do dinheiro e da informação corrompida, se perguntam até quando um país que se diz justo e igualitário é, na verdade, tão desigual e tão injusto.

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