sábado, 11 de fevereiro de 2012

Sonho de uma obsessão



Desde o seu casamento com Maria das Graças, em 1985, Jorge mostrou-se ser um homem bravo e violento. Nunca bateu em sua mulher, mas todos o temiam. Homem espadaúdo, acostumado em carregar botijões cheios nas costas, bastava um grito ou uma ameaça para sua família fazer o que bem pretendia.
Jonas, seu filho, nascido pouco depois do casamento, foi o que mais sofreu nas mãos de Jorge. Desde criança, apanhava do pai toda vez que quebrava alguma coisa ou fazia algo de errado. Certa vez, chegou à escola com um forte hematoma, causado por uma nota baixa. Jorge queria que seu filho fosse médico – cardiologista, de preferência – e nunca aceitou que o menino tirasse notas ruins. No início, Jonas não entendia a obsessão do pai; posteriormente descobriu que o mesmo queria ser cardiologista, entretanto, seu pai não pôde lhe dar a educação adequada e, com oito irmãos menores, largou os estudos para trabalhar junto com o pai e sustentar a casa. Jorge queria que o filho tivesse um destino diferente do seu.
As desavenças entre Jonas e Jorge cresceram quando o garoto atingiu a adolescência. Surge na vida de Jonas o teatro. Fascinado por poder se transformar em diversas pessoas ao mesmo tempo e trazer alegria, emoção e ódio às pessoas, Jonas logo começou a frequentar o palco para se tornar um ator. Entretanto, três meses depois, seu pai descobre que o coração de Jonas foi tomado pelo teatro, ao invés da medicina, e lhe dá uma surra de praticamente precisar levar o garoto ao hospital. Obcecado em ter um filho médico e vendo que o mesmo piorava suas notas na escola por conta do teatro, Jorge proibiu-lhe de ter vida noturna, de frequentar shows, cinema e, principalmente, teatro. Sua internet foi igualmente cortada, junto com jogos e outras coisas. Jonas deveria passar o tempo inteiro estudando. Só poderia ter vida social quando adentrasse na melhor e mais concorrida faculdade de Medicina do país.
Jonas passava o tempo inteiro trancado no quarto, cercado por livros e mais livros. Do lado de fora, passava o sol, a chuva e o frio, e o garoto nada daquilo poderia aproveitar. Sua mãe via o sofrimento psicológico causado no rosto do garoto. Tentou ajudar-lhe, mas somente piorou a situação. Ao descobrir a primeira fuga de Jonas, Jorge esmurrou-lhe a ponto de quebrar uma costela. Maria das Graças também não saiu ilesa. Esbofeteada no rosto a ponto de perder um dos dentes frontais, a mulher tentou sair e dar parte do marido na polícia, mas foi impedida pelo mesmo. Tomada pelo temor, acabou aceitando o sofrimento imposto pelo marido. A cada ano, Jorge enrijecia os estudos do garoto. Colocou o mesmo para estudar num dos melhores internados do país. O garoto mau via a luz do sol. Em sua mente, via-se apenas o palco, o teatro, retirado de sua vida abruptamente pela obsessão de seu pai. Rogou-lhe imensuráveis pragas, até perceber ser inútil. Tentando ou não ódio mortal de seu pai, nada contra ele e contra seu destino poderia fazer.
Desesperada em não ver mais o filho, Maria das Graças entrou em depressão. Pouco tempo depois, faleceu. Jonas queria ir ao funeral de sua mãe, vê-la e homenageá-la pela última vez, mas seu próprio pai mandou uma ordem ao internado para internar. Jonas tinha que estudar. Estava no primeiro ano, e logo, logo prestaria vestibular. Não poderia perder um minuto sequer de sua vida...
E assim se passaram longos anos. No verão de 2004, sai o resultado do primeiro vestibular tentado por Jonas, obviamente para Medicina – seu próprio pai fez a inscrição. O garoto adentrou na faculdade. Pensou em voltar ao teatro, porém seu pai novamente lhe impediu.
Ainda temeroso com seu pai, Jonas tirava as melhores notas da turma, principalmente por ainda passar os dias trancafiados no quarto, sobre uma penca de livros. Jonas não bebia, não saía, não ia às festas da faculdade, não trabalhava, não tinha amigos, nunca namorara ou mesmo beijara alguém, sua vida era tão somente os estudos.
Ao contrário do filho, que vivia apenas cabisbaixo, sofrendo calado, Jorge estava radiante: ver o filho na faculdade lhe deu uma nova vontade de viver, perdida desde a morte de sua esposa. Comprou-lhe ume estetoscópio, jaleco, ajudou-lhe a ter residência em um dos melhores hospitais e, secretamente, arrumou para o garoto ter emprego no referido hospital depois de sair da faculdade.
No verão de 2012, depois de muito esforço, Jonas formou como o melhor da turma. Estava na colação de grau ao lado dos amigos. Pela primeira vez na vida, o rapaz viu seu pai soltar lágrimas – estava radiante, ver seu sonho finalmente se tornar realidade. Algumas horas depois, a colação de grau findou-se. Os formandos iriam às suas respectivas casas trocarem suas roupas para irem à festa. Era a primeira festa na vida de Jonas.
Tão logo terminou a colação de grau, os formandos partiram em direção aos seus familiares e amigos presentes. Jonas caminhou até seu pai. Estava com um semblante fechado, embora seus olhos demonstrassem a eterna melancolia, já característica do rapaz. Seu pai, ao contrário, continuava radiante de felicidade.
- Tome! – disse, ríspido, dando-lhe o canudo, contendo o certificado – Isso é seu! – continuou. Partiu do local.
Seu pai estranhou a atitude do garoto. Nunca fora ríspido com o pai. Pensou em dar-lhe uma surra pela atitude, como sempre fazia, entretanto, aquela era a noite da vida de Jonas. Não queria que nada a estragasse...
Ficou alguns minutos no local antes de partir em direção à sua casa. Chegou ao local cerca de vinte minutos depois. Abriu a porta da singela casa. Estava vazia. Estranhou.
- Jonas? – perguntou, procurando pelo rapaz. Não logrou êxito.
Caminhou até o quarto do garoto. Estava vazio. Percebeu haver um pequeno pedaço de papel, escrito a mão. Pegou-a. A caligrafia era de seu filho.

“Caro pai,
Dei-lhe o que quis. O certificado do curso de Medicina. É seu. Aproveite-o.
Agora vou seguir o meu sonho, a minha vocação. Ser ator de teatro. Mas agora não dá mais. Perdi muito tempo de minha vida realizando seu sonho que acabei por não conseguir realizar o meu. Parto agora, quem sabe no céu eu possa ser o que realmente eu quero...
Adeus”

Ao ler a carta, seu pai se surpreendeu. Entrou em completo desespero. Aquilo não podia ser verdade. Correu pela casa. Entrou quarto por quarto, afoito. Precisava encontrar seu filho. E encontrou-o, dependurado pelo pescoço no lustre do banheiro...
Depois de retirar seu filho do lustre, ainda aos prantos, Jorge caminhou em direção à cozinha, pegou uma faca e cortou os próprios pulsos. Não aguentou saber que foi o motivo da morte de seu único filho...

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